Daí um dia eu pensei, "Puta, a gente nem tem uma foto juntas!"
E comecei a lembrar o tanto de risada, de soco, de choro, de besteiras, de mordida de vaca*, de almoços, de zueira, de aulas, de livro e de provas [porque afinal, uma hora a gente estuda!].
Lembrei que você não foi a primeira que eu falei, não foi a primeira que candidatei a amiga, não foi a primeira que...apostei!!!
Mas foi você que conquistou minha amizade.
E agora eu sinto você indo.
Sinto você longe, em algum outro mundo paralelo.
Não quero te ver triste.
Não quero te ver perder seus sonhos.
Não quero te ver sem brilho!
Mas não queria que você fosse brilhar tão longe, tão fora da minha realidade de hoje...
Tô chorando e não quero parar!
Não quero ser egoísta meu Deus!
Brilhe!
Mude!
Seja você...
eu vou ficar assistindo tá?!
Quando quiser minha piada nova ou velha...tanto faz...me liga, eu sempre vou ter tempo pra você!
E quem sabe uma hora a gente até tire uma foto.
*é uma brincadeira que se dá um beliscão na parte interna da coxa de outrem com a palma da mão, dói pra cacete!
domingo, 28 de março de 2010
quinta-feira, 25 de março de 2010
Queda
Tava pensando em um monte de coisa.
Tava carregando um monte de livro, da toca pra casa de ensino e de lá pra cá.
Tava ouvindo um milhão de músicas.
Tava almoçando mal pra cacete.
Tava me penteando, me adormecendo, me exercitando, me multiplicando.
Então, com vento, com trovão, com luzes em céu escuro, com bueiro vomitando, com carro parado...e sem aviso prévio, ela caiu.
Gloriosa como quem quer ser notada desde o primeiro passo no tapete vermelho, ou até antes disso, foi notada quando desceu da sua limosine de núvens pretas e fez do centro sua passarela carregando todo seu orgulho úmido.
Ela caiu na minha cabeça.
E eu cai em mim.
Agora fico esperando estas duas quedas não resultarem numa gripe, shit!
Tava carregando um monte de livro, da toca pra casa de ensino e de lá pra cá.
Tava ouvindo um milhão de músicas.
Tava almoçando mal pra cacete.
Tava me penteando, me adormecendo, me exercitando, me multiplicando.
Então, com vento, com trovão, com luzes em céu escuro, com bueiro vomitando, com carro parado...e sem aviso prévio, ela caiu.
Gloriosa como quem quer ser notada desde o primeiro passo no tapete vermelho, ou até antes disso, foi notada quando desceu da sua limosine de núvens pretas e fez do centro sua passarela carregando todo seu orgulho úmido.
Ela caiu na minha cabeça.
E eu cai em mim.
Agora fico esperando estas duas quedas não resultarem numa gripe, shit!
sexta-feira, 12 de março de 2010
Empréstimo
CHEGOU O OUTONO
Não consigo me lembrar exatamente o dia em que o outono começou no Rio de Janeiro neste 1935. Antes de começar na folhinha ele começou na Rua Marquês de Abrantes. Talvez no dia 12 de março. Sei que estava com Miguel em um reboque do bonde Praia Vermelha. Nunca precisei usar sistematicamente o bonde Praia Vermelha, mas sempre fui simpatizante. É o bonde dos soldados do Exército e dos estudantes de Medicina.
Raras mulatas no reboque; liberdade de colocar os pés e mesmo esticar as pernas sobre o banco da frente. Os condutores são amenos. Fatigaram-se naturalmente de advertir os soldados e estudantes; quando acontece alguma coisa eles suspiram e tocam o bonde. Também os loucos mansos viajam ali, rumo do hospício. Nunca viajou naquele bonde um empregado da City Improvements Company: Praia Vermelha não tem esgotos. Oh, a City! Assim mesmo se vive na Praia Vermelha. Essenciais são os esgotos da alma. Nossa pobre alma inesgotável! Mesmo depois do corpo dar com o rabo na cerea e parar no buraco do chão para ficar podre, ela, segundo consta, fica esvoaçando pra cá, pra lá. Umas vão ouvir Francesa da Rimini declamar versos de Dante, outras preferem a harpa de Santa Cecília. A maioria vai para o Purgatório. Outras perambulam pelas sessões espíritas, outras à meia-noite puxam o vosso pé, outras no firmamento viram estrelinhas. Os soldados do Exército não podem olhar as estrelas : lembram-se dos generais. Lá no céu tem três estrelas, todas três em carreirinha. Uma é minha, outra é sua. O cantor tem pena da que vai ficar sozinha. Que faremos, oh meu grande e velho amor, da estrela disponível? Que ela fique sendo propriedade das almas errantes. Nossas pobres almas erradas!
Eu ia no reboque, e o reboque tem vantagens e desvantagens. Vantagem é poder saltar ou subir de qualquer lado, e também a melhor ventilação. Desvantagem é o encosto reduzido. Além disso os vossos joelhos podem tocar o corpo da pessoa que vai no banco da frente; e isso tanto pode ser doce vantagem como triste desvantagem. Eu havia tomado o bonde na Praça José de Alencar; e quando entramos na Rua Marquês de Abrantes, rumo de Botafogo, o outono invadiu o reboque. Invadiu e bateu no lado esquerdo de minha cara sob a forma de uma folha seca. Atrás dessa folha veio um vento, e era o vento do outono. Muitos passageiros do bonde suavam.
No Rio de Janeiro faz tanto calor que depois que acaba o calor a população continua a suar gratuitamente e por força do hábito durante quatro ou cinco semanas ainda.
Percebi com uma rapidez espantosa que o outono havia chegado. Mas eu não tinha relógio, nem Miguel. Tentei espiar as horas no interior de um botequim, nada conseguindo. Olhei para o lado. Ao lado estava um homem decentemente vestido, com cara de possuidor de relógio.
- O senhor pode ter a gentileza de me dar as horas?
Ele espantou-se um pouco e, embora sem nenhum ar gentil, me deu as horas : 13:48. Agradeci e murmurei : chegou o outono. Ele deve ter ouvido essa frase tão lapidar, mas aparentemente não ficou comovido. Era um homem simples e tudo o que esperava era que o bonde chegasse a um determinado poste.
Chegara o outono. Vinha talvez do mar e, passando pelo nosso reboque, dirigia-se apressadamente ao centro da cidade, ainda ocupado pelo verão. Ele não vinha soluçando les sanglots longs des violons de Verlaine, vinha com tosse, na quaresma da cidade gripada.
As folhas secas davam pulinhos ao longo da sarjeta; e o vento era quase frio, quase morno, na Rua Marques de Abrantes. E as folhas eram amarelas, e meu coração soluçava, e o bonde roncava.
Passamos diante de um edifício de apartamentos cuja construção está paralisada no mínimo desde 1930. Era iminente a entrada em Botafogo; penso que o resto da viagem não interessa ao grosso público. O próprio começo, da viagem creio que também não interessou. Que bem me importa. O necessário é que todos saibam que chegou o outono. Chegou às 13:48 horas, na Rua Marques de Abrantes, e continua em vigor. Em vista do que, ponhamo-nos melancólicos.
Março, 1935
RUBEM BRAGA
Não consigo me lembrar exatamente o dia em que o outono começou no Rio de Janeiro neste 1935. Antes de começar na folhinha ele começou na Rua Marquês de Abrantes. Talvez no dia 12 de março. Sei que estava com Miguel em um reboque do bonde Praia Vermelha. Nunca precisei usar sistematicamente o bonde Praia Vermelha, mas sempre fui simpatizante. É o bonde dos soldados do Exército e dos estudantes de Medicina.
Raras mulatas no reboque; liberdade de colocar os pés e mesmo esticar as pernas sobre o banco da frente. Os condutores são amenos. Fatigaram-se naturalmente de advertir os soldados e estudantes; quando acontece alguma coisa eles suspiram e tocam o bonde. Também os loucos mansos viajam ali, rumo do hospício. Nunca viajou naquele bonde um empregado da City Improvements Company: Praia Vermelha não tem esgotos. Oh, a City! Assim mesmo se vive na Praia Vermelha. Essenciais são os esgotos da alma. Nossa pobre alma inesgotável! Mesmo depois do corpo dar com o rabo na cerea e parar no buraco do chão para ficar podre, ela, segundo consta, fica esvoaçando pra cá, pra lá. Umas vão ouvir Francesa da Rimini declamar versos de Dante, outras preferem a harpa de Santa Cecília. A maioria vai para o Purgatório. Outras perambulam pelas sessões espíritas, outras à meia-noite puxam o vosso pé, outras no firmamento viram estrelinhas. Os soldados do Exército não podem olhar as estrelas : lembram-se dos generais. Lá no céu tem três estrelas, todas três em carreirinha. Uma é minha, outra é sua. O cantor tem pena da que vai ficar sozinha. Que faremos, oh meu grande e velho amor, da estrela disponível? Que ela fique sendo propriedade das almas errantes. Nossas pobres almas erradas!
Eu ia no reboque, e o reboque tem vantagens e desvantagens. Vantagem é poder saltar ou subir de qualquer lado, e também a melhor ventilação. Desvantagem é o encosto reduzido. Além disso os vossos joelhos podem tocar o corpo da pessoa que vai no banco da frente; e isso tanto pode ser doce vantagem como triste desvantagem. Eu havia tomado o bonde na Praça José de Alencar; e quando entramos na Rua Marquês de Abrantes, rumo de Botafogo, o outono invadiu o reboque. Invadiu e bateu no lado esquerdo de minha cara sob a forma de uma folha seca. Atrás dessa folha veio um vento, e era o vento do outono. Muitos passageiros do bonde suavam.
No Rio de Janeiro faz tanto calor que depois que acaba o calor a população continua a suar gratuitamente e por força do hábito durante quatro ou cinco semanas ainda.
Percebi com uma rapidez espantosa que o outono havia chegado. Mas eu não tinha relógio, nem Miguel. Tentei espiar as horas no interior de um botequim, nada conseguindo. Olhei para o lado. Ao lado estava um homem decentemente vestido, com cara de possuidor de relógio.
- O senhor pode ter a gentileza de me dar as horas?
Ele espantou-se um pouco e, embora sem nenhum ar gentil, me deu as horas : 13:48. Agradeci e murmurei : chegou o outono. Ele deve ter ouvido essa frase tão lapidar, mas aparentemente não ficou comovido. Era um homem simples e tudo o que esperava era que o bonde chegasse a um determinado poste.
Chegara o outono. Vinha talvez do mar e, passando pelo nosso reboque, dirigia-se apressadamente ao centro da cidade, ainda ocupado pelo verão. Ele não vinha soluçando les sanglots longs des violons de Verlaine, vinha com tosse, na quaresma da cidade gripada.
As folhas secas davam pulinhos ao longo da sarjeta; e o vento era quase frio, quase morno, na Rua Marques de Abrantes. E as folhas eram amarelas, e meu coração soluçava, e o bonde roncava.
Passamos diante de um edifício de apartamentos cuja construção está paralisada no mínimo desde 1930. Era iminente a entrada em Botafogo; penso que o resto da viagem não interessa ao grosso público. O próprio começo, da viagem creio que também não interessou. Que bem me importa. O necessário é que todos saibam que chegou o outono. Chegou às 13:48 horas, na Rua Marques de Abrantes, e continua em vigor. Em vista do que, ponhamo-nos melancólicos.
Março, 1935
RUBEM BRAGA
quarta-feira, 3 de março de 2010
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