quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

desde o Éden

O que entendi ouvindo o verdadeiro teatro dos vampiros

[Salve todos os poetas que um dia sonharam com o “além de tudo isso!”, Salve Renato Russo]

Enquanto sonho e tomo sopa, alguns estão construindo a vida.

Construir a vida. A gente nasce sem ser perguntado se tava a fim de ter uma carinha fofa e amassada e já começamos a carregar um caminhão de expectativas alheias.

Isso é normal? Isso é justo? Não importa.

O que há de reflexão que eu poderia fazer sobre a vida já foi feita, mesmo assim eu faço. O que há de ideia para mudar o mundo, ou para mudarmos já foi publicado e os melhores planos nunca saíram do papel, um ser corruptível e quase sempre metodicamente acomodado.

Não, não estou falando da nossa geração, da nossa história, da nossa espécie. Estou me referindo a minha própria essência.

Esta maldição que ouço do Éden é quase um mito, ou é um mito, e mesmo assim parece que me persegue nos finais de tarde.

Arrependimento ou remorso?

Há diferença? Faria diferença?

Eu prefiro acreditar que estou errada, eu sou a peça fora do jogo. Eu, meu ceticismo e minha ignorância. Prefiro ser quem não sabe de nada do que ser quem continua sendo coagido. Não tenho escolhas, afinal a liberdade é uma utopia e as revoluções e grandes mudanças do modo de vida das antigas civilizações não foram assim como conta o teatro ou o cinema. Tudo fachada. Para quem se todos somos atores por trás das cortinas, quem estará assistindo?

Espero acordar um dia e não precisar me preocupar com o sono que não acabou ainda, com as contas que estarão pagas e com a comida que estará cozida.

Bom sono, boa comida e nenhum dinheiro a receber ou a pagar.

Isso sim é felicidade, se tentaram te vender alguma outra visão disso ou algum tipo novo de droga, meu caro, me perdoe a franqueza, mas faz tudo parte do show!

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Flutua

Olhou mais uma vez pela janela.
Prédios, prédios, prédios.
E incrivelmente, o que sempre a incomodou foram os plurais.
Não basta um sorriso, só basta se forem todos.
Não me contento com um carro, dois, três, bolsas, sapatos, celulares, jantares, cumprimentos.
Um mundo plural no qual se encontrava sozinha.
E o plural de que tanto tentava se esconder, ali na janela.
Parece que do décimo sexto andar tudo parece flutuar lá embaixo.
Pensa em como pode flutuar também.
Lembra-se de como o algodão-doce da máquina do parque parecia flutuar no ar antes de ser capturado pelo homem de bigodes com seu palito.
Por que me deixei ser capturada?
Por que me deixei ser posta nesta torre?
Por que não joga toda a alma e o corpo ao invés de só as tranças, Rapunzel?
E no ímpeto de seu delírio consciente, ouve um choro de bebê que a chama a realidade.
Mais uma vez ela voltará a sua espera.
Ainda não foi desta vez.

São Paulo, 02 de fevereiro de 2010.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

luxo

Sou brasileira, posso me dar ao luxo da mesclagem sócio-cultural.

Posso sentar-me na minha poltrona em meu quarto pequeno iluminado por uma lâmpada ecologicamente correta - em tempos que nem as sacolinhas de plástico escaparam - e tomar minha Brahma gelada ouvindo o Frank - My way.

Posso me dar ao luxo de não saber ler em nenhuma outra língua que a minha mãe e ler romance russo, norueguês, tudo traduzido, porque sou brasileira e não se espera muito de um povo de clima quente e humor positivo.

Posso me dar ao luxo de passar a vida reclamado dos políticos ou do "GOVERNO", e continuar fazendo o mesmo nada dos demais, porque afinal de contas, sou brasileira, não se espera muito dos brasileiros na política.

Posso passar a vida à margem, os dias à míngua, algumas horas à toa. Ninguém vai ligar, não chamarão uma assistente social, um policial ou um padre, sou brasileira, posso me dar ao luxo da vagabundagem.

Quem sabe até sair do país pra ganhar mais, dançarina não é bailarina, e lá fora pagam bem, porque sou brasileira.

Posso me dar ao luxo de não ter luxo e mesmo assim passar todo um ano esperando fevereiro.

Porque sou brasileira, posso me dar ao luxo do carnaval.

Talvez me forme, consiga profissão, trabalhe pra uma multinacional, mas só assim pra ter status, porque empresa nacional? Ou tá falindo ou vai falir. Somos brasileiros, podemos nos dar ao luxo de não ter luxo.