domingo, 9 de agosto de 2015

O homem do sorriso de caninos

Que bom nos encontrarmos de novo para conversar. Na minha idade toda companhia é bem-vinda, e, ou você gostou da nossa primeira história ou o chá estava bom e doce, espero que não esteja aqui por tédio. Não que eu abomine o tédio, como os pragmáticos, mas no fundo o tédio é como um dia nublado, não tem a graça de uma chuva sonora, nem o regalo de um sol fresco renovador das cores do mundo. É melhor estar triste ou feliz do que estar com tédio. Mas quem sabe?

Contudo, vamos a nossa história de hoje, a água já começa a ferver e eu começo a divagar. Como sempre. Quando o presente torna-se apenas um lago de águas cristalinas, sem muitos acontecimentos, cresce o perigo dele só refletir o passado, acho que tenho caído neste limbo em muitas tardes agradáveis e monótonas como esta. Lembro-me que em uma de minhas andanças pela minha toca do coelho eu peguei uma carona. Ele era essencialmente sorridente. Possuía olhos brilhantes, não qualquer olhar, antes aquele realçado por algum choro anterior, olhos lavados e quarados ao sol, tal qual o ato de tortura que se fazia com a roupa branca no tempo que água pra esse luxo só na cacimba, e meio de transporte era carro de boi.
Um olhar desses não se despreza, cria um magnetismo instantâneo e já se está fisgado como um peixe iludido num anzol exuberante. Mas aquele rosto não era uma tela que exibia dois olhos, não, antes de tudo, já lhe disse, ele era sorridente. Um sorriso largo e desmedido, como um rio que deságua em estuário. Ele me amou antes mesmo de eu conhecer este sentimento. Uma forma macia e envolvente, tão intensa que eu juro que dava para tocar no ar, assim como bolhas de sabão, que mesmo quando você desacredita que existiu confere a umidade nos dedos da mão curiosa. O amor é um dos poucos fenômenos da vida que silencia minha ciência. Posso colocar numa lista hormônios, fases da lua, a influência dos ventos litorâneos e as altas temperaturas do verão assim como as estreias do cinema naquela semana. Nada. Tudo. Explicação seria menos importante que a descrição. Aprecio detalhes em histórias assim como cada tempero de um bom prato. Um bom prato não se apura apenas com sal e alho.
Lembro-me de seu reflexo no retrovisor, de suas mãos gentis, de sua fala vulgar e sincera. Todo novo segundo inocente divido para "nós", não somente para "mim". Aquele sorriso marítimo. Seus sonhos e cicatrizes, desastres, ambições e aventuras. Idas à praia para aproveitarmos o nosso dia e cansarmos os corpos jovens que carregávamos cobertos com pouca roupa. Uma música de cantor vivo e tantas outras canções de falecidos na glória de seus talentos. Um sorriso brilhante. Uma nova visão de mundo com contornos mais acentuados e cores mais diversas, apesar de valorizarmos menos as classificações tradicionais e a maneira normal de nomear os objetivos e principalmente os indivíduos. E aquele sorriso, aquela fortaleza que cravou seus dentes caninos no músculo virgem e tenro do meu coração. Aquele sorriso é sozinho uma divindade. Vivia sem saber dias memoráveis com sabor de cajá, beijo e tapioca...
E assim nesta reticencias de texto que termina sem um "porém" mesmo quando o final feliz não é juntos até a eternidade, fica a maturidade de aprender um pouco de alegria em cada experiência, até mesmo as que terminaram morrendo afogadas em lágrimas de saudade.

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