A felicidade no cotidiano é pequena e infantil. No meio da semana sem nenhum motivo aparente eu me sinto livre e um sentimento estranho surge do lado esquerdo do fígado, mais para baixo do pulmão, próximo ao rim. É como uma piada antiga que quando você lembra no meio da rua, sem nenhum amigo para contar, você dá uma risadinha de canto e vê o mundo por cima das suas linhas ridículas e invisíveis pensando "eu sei a piada... Idiotas!".
A piada na realidade pouco importa, o fundamental é a sensação de saber de algo que a estatística da vida inútil nos diz que ninguém naquele logradouro tem ciência da sua lembrança. Passo por este momento me sentindo um ser humano de oito anos de idade, eu descobri algo novo, uma felicidade pequena, ela é minha, não quero dividir com mais ninguém. Então fecho os olhos, já no ponto de ônibus, devagar por um segundo, dois, três, quatro e abro, para verificar se o mundo continua com a mesma cor. Sim. Esta felicidade é tão intensa, apesar de pequena e frágil, como saúde de recém-nascido, que não me deixa lembrar de como o mundo estava antes dela, então sim, o mundo continua colorido como era a cinco segundos atrás quando me lembro de minha pequena felicidade.
Tenho vontade de mudar de caminho, não vou ao trabalho hoje, vou comemorar esta raridade no meio da semana. Tenho um impulso brusco e irresponsável de entrar no primeiro bar que cruzar. Pego o ônibus. Por que pensei num bar? "Ah! O que importa que esta hora todo mundo está trabalhando, este sentimento é meu, não preciso dividi-lo afinal."
O ônibus continua seu percurso, o caminho pelo qual passo todos os dias apresenta novos detalhes, "Eu nunca vi aquele grafite, que legal!", novas perspectivas, parece outro percurso, um novo horizonte a se abrir. "Vou dar sinal e descer por aqui, sei que é uma região boa de boemia". Esta pequena felicidade explode dentro da minha adrenal de uma forma tão forte que parece que vai subir pela corrente sanguínea e linfática até atingir todos os meus tecidos.
"Não vou perder este momento, sou jovem, tenho muito tempo para trabalhar na vida ainda, qual diferença vai fazer em trinta, quarenta anos, não é mesmo?"
E os pontos vão passando, o sol parece derreter até liga metálica, pessoas apressadas atravessam na faixa como se a qualquer momento os carros fossem dar partida, "Uma cervejinha agora seria um milagre", "Por que eu pensei em cerveja?", motos passam correndo pela lateral do ônibus buzinando, duas moças conversam na frente de uma clínica odontológica, "vou descer, pronto, tá decidido".
Desço, as minhas pernas já sabem o caminho, alguns minutos e chego ao meu destino. Troco a roupa, coloco o uniforme, cumprimento meus colegas com boas tardes e abro meu sorriso no balcão da loja. É tudo parte do sistema, o ônibus, as pessoas, as discussões, as crises, a tevê, o dinheiro, a falta de dinheiro, o vizinho. Está tudo planejado e alguma coisa ferve e me alegra. Aquilo que ninguém vê nem cheira. Não tem nome, chamei de pequena felicidade. Estou de pé no balcão a cinco segundos, fecho os meus olhos, seis segundos, sete, oito, abro e está tudo como sempre colorido. Nasce um sorriso no canto dos meus lábios e um pensamento fará hoje ser um dia sem igual "eu sei a piada... Idiotas!".
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ResponderExcluirA verdade é que todos temos nossas pequenas felicidades.
um abraço, Nathi.